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Colômbia revive drama humanitário da guerra e tem de recorrer à Venezuela

Colômbia revive drama humanitário da guerra e tem de recorrer à Venezuela


O drama humanitário que ocorre há uma semana no nordeste da Colômbia reavivou as cenas do conflito contra as guerrilhas, levou o governo a dizer que ali estariam sendo cometidos crimes contra a humanidade e fez o presidente, Gustavo Petro, buscar a ajuda do ditador da Venezuela, Nicolás Maduro.

O conflito que assola a região de Catatumbo, próxima do território venezuelano e onde há uma das maiores reservas de coca (matéria-prima da cocaína) no mundo, serviu como um dramático lembrete da paradoxal relação entre Petro, ele próprio um ex-guerrilheiro, e o herdeiro de Hugo Chávez (1954-2013).

Disputas armadas entre integrantes do ELN (Exército de Libertação Nacional) e de um grupo dissidente das antigas Farc, o Frente 33, deixaram nos últimos dias de 60 a 80 pessoas mortas, muitas delas civis.

Mais de 36 mil pessoas tiveram de deixar suas casas, a maioria delas em caravanas terrestres e fluviais rumo a regiões nas quais ainda há relativa paz ou mesmo ao país vizinho, a Venezuela, que numa triste ironia é a origem da maior diáspora hoje na América Latina. Há pelo menos 1.600 colombianos refugiados do lado venezuelano.

Relatos feitos ao jornal local El Espectador dão conta de que famílias campesinas inteiras estão escondidas na floresta por receio de retornar a seus lares ou ir a um abrigo e entrarem no fogo cruzado.

O conflito é o pior desde que se firmaram os acordos de paz em 2016, um dos mais graves das últimas décadas e um risco, entre outras coisas, para o possível recrutamento de mais homens jovens pelos guerrilheiros. A situação arrisca implodir os diálogos que Petro vem tentando travar em sua estratégia de “paz total”.

Ele anunciou que decretará “comoção interior” em Catatumbo, uma forma de estado de exceção que permite ao governo tomar decisões de forma mais acelerada e emitir decretos com força de lei sem necessidade de aprovação do Congresso. A medida é válida inicialmente por até 90 dias e fica sob supervisão da Corte Constitucional.

Se a situação por si só já não fosse delicada, há o elemento da fronteira e o “timing” —um dos mais sensíveis para Petro. O líder de esquerda eleito e empossado em 2022 não reconheceu a eleição de Maduro (mas tampouco vitória do opositor Edmundo González) e fez críticas bem mais vocais às violações de direitos humanos na Venezuela do que o presidente Lula (PT), no Brasil, por exemplo.

Petro adotou uma diplomacia pragmática, pisou em ovos e disse que não queria romper com a Venezuela. Foi o seu governo, aliás, o que reabriu a fronteira entre os países, catapultando o comércio fronteiriço.

Ao anunciar nesta quinta-feira (23) que tem dialogado com Maduro para chegar a uma estratégia conjunta com o objetivo de combater a violência em Catatumbo, chamou-o de “aquele que exerce a Presidência na Venezuela”, evitando assim reconhecê-lo.

O X da questão mora do fato de o ELN, a última guerrilha marxista com uma agenda política até hoje em vigor, ter se tornado uma força com atuação binacional. A Venezuela serve de retaguarda para os líderes da organização e, não à toa, um dos Estados garantidores dos acordos que Petro tentava costurar e que agora estão congelados.

Um dos principais estudiosos das dinâmicas do ELN, Jorge Mantilla, doutor em criminologia pela Universidade de Illinois Chicago explica que a dinâmica de binacionalização da guerrilha começou nos anos 2000, ápice da ação de paramilitares colombianos que, sob o argumento de combater o grupo, estigmatizaram as comunidades locais e cometeram violência em larga escala. A Venezuela virou refúgio.

“A partir de 2015, quando fecham a fronteira Colômbia-Venezuela, o ELN se torna um ator determinante porque passa a controlar todas as passagens ilegais: controlavam o contrabando de gasolina, de carne, de drogas, além dos imigrantes que fugiam da Venezuela”, diz.

“Ou seja, o ELN se converte em um ativo de negociação. Quanto mais distantes ou deterioradas estejam as relações entre os Estado ou os governos colombiano e venezuelana, mais próxima será a relação de Caracas com o ELN, porque lhe será útil para controlar social e economicamente a fronteira e para incidir na agenda colombiana de maneira importante, como tem sido feito exatamente agora.”

Aferrado ao poder, mas marginalizado pela comunidade internacional, Nicolás Maduro tem dito que uma de suas prioridades agora é a paz na Colômbia. Enviou seu ministro do Interior, Diosdado Cabello, um dos nomes mais fortes do chavismo, para a fronteira, onde apareceu em fotos entregando mantimentos para os deslocados.

A sorte do destino bateu à porta de Maduro, diz Mantilla. “Isso ajuda o regime a migrar a tensão que está no tema eleitoral e de autoritarismo para uma tensão na fronteira, e também o ajuda a mitigar a pressão internacional que Petro poderia exercer.”

A Colômbia está a pouco mais de um ano de eleições nacionais para o Executivo. O primeiro presidente de esquerda da história do país não está em um cenário confortável: em dezembro passado, segundo a consultoria Invamer, sua aprovação era de somente 34% da população.



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