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Opinião - Bruno Gualano: O que era doce te adoentou

Opinião – Bruno Gualano: O que era doce te adoentou


Estudos de laboratório são muitas vezes criticados por produzir resultados “artificiais”, que pouco se aplicam ao mundo real. Estudos de campo —geralmente observacionais— apanham pelo frouxo controle das condições experimentais, o que dificulta estabelecer relações causais. Este é o cobertor curto do cientista: ganha-se em aplicação, perde-se em rigor.

Ocasionalmente, eventos alheios à vontade do cientista podem moldar o ambiente de forma a criar condições ideais para investigar efeitos que seriam ética, logística ou financeiramente inviáveis em experimentos controlados.

O acidente nuclear de Chernobyl permitiu aprofundar o conhecimento sobre os riscos de exposição à radiação e, desse modo, aprimorar regulamentos nucleares globais. A pandemia da Covid expandiu o que sabemos sobre os impactos do isolamento social na saúde mental, aprendizagem infantil, relações de trabalho e hábitos de vida. Esses avanços foram possíveis graças a experimentos naturais —tipo de estudo que oferece ao cientista chance ímpar de investigar relações de causalidade em contextos da vida real.

Diante da escassez vivida após a Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido manteve um racionamento alimentar rigoroso, que incluiu o açúcar. As restrições foram removidas em 1953. Em posse de um amplo biobanco de dados (UK Biobank), cientistas sagazes viram nesse cenário a oportunidade de conduzir um experimento natural, a fim de explorar os efeitos da restrição ao consumo de açúcar nos primeiros mil dias de vida (da concepção até os 2 anos de idade) sobre o risco de doenças crônicas na idade adulta.

Durante o racionamento, o consumo de açúcar estava alinhado com as diretrizes modernas (<40 g/dia para adultos e <15 g/dia para crianças). Com o fim do racionamento, a ingestão diária praticamente dobrou (41 g para 80 g). Bastou aos cientistas comparar expostos e não expostos à restrição do nutriente.

Os pesquisadores encontraram que o racionamento de açúcar reduziu o risco de diabetes do tipo 2 em 35% e hipertensão em 20%, e retardou o início dessas doenças em 4 e 2 anos, respectivamente. A proteção foi maior quando as restrições se estenderam além dos 6 meses de idade, que coincide com a introdução de alimentos sólidos. A exposição intrauterina, por si só, contribuiu para um terço da redução do risco das doenças, enquanto que a restrição prolongada pós-natal foi mais impactante, especialmente no primeiro ano de vida.

Há tempos, especula-se que a restrição ao açúcar poderia programar favoravelmente o metabolismo durante o desenvolvimento intrauterino. A restrição pós-natal, por sua vez, poderia reduzir a preferência ao sabor doce, limitando o consumo excessivo ao longo da vida. Os novos achados fortalecem essas hipóteses.

A janela de desenvolvimento dos mil dias é crucial para a saúde. Evidências sugerem que uma dieta inadequada durante essa fase pode predispor indivíduos a doenças metabólicas. O novo estudo corrobora a adoção de limites rigorosos de açúcar na dieta infantil, em conformidade com as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde), e reacende a discussão sobre aumento de taxação e aperto da regulamentação de marketing de produtos adoçados para crianças.


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